segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sociedade e Religião II = “Globalização – Ciência, Cultura e Religiões




Globalização e Religiões


Abordar o tema do papel das religiões no fenómeno da globalização, é acentuar a importância da cultura neste processo de unificação da humanidade como uma única família humana. Não quero, com isto, significar, que a religião se identifica com a cultura, mas verificar a importância decisiva das religiões no caldear das culturas, introduzindo-lhe uma componente decisiva: a referência do homem ao transcendente.
A importância da mediatização do mundo contemporâneo no processo da globalização acentuaria, em princípio, a importância decisiva da cultura nesse processo. Como tudo na história, também o processo de globalização é dialéctico. A humanidade está hoje perante um dilema: ser avassalada por uma globalização mecanicista, ao ritmo dos mercados e da assimetria dos processos económicos e dos ritmos de desenvolvimento, com acentuação das clivagens e das injustiças, ou lutar por uma globalização com sentido, cujo ritmo seja marcado pelas culturas. A globalização só significará um progresso qualitativo da humanidade, se a dimensão cultural lhe marcar o ritmo e desvelar o sentido. Não haverá globalização digna do homem sem primazia da cultura; nenhuma cultura será capaz de garantir o sentido positivo da globalização, se não valorizar o factor religioso.
Dada a pluralidade e especificidade das diversas culturas e religiões, um dinamismo se revela essencial no processo de globalização: o do diálogo inter-cultural e inter-religioso. É uma perspectiva que faz, timidamente, o seu caminho vencendo obstáculos aparentemente intransponíveis: a dimensão étnica das culturas e das religiões; a identidade dos povos ligada às tradições culturais e religiosas; o carácter irredutível da dimensão dogmática das religiões e das culturas; as tentações sincretistas, que geram mecanismos de defesa e afirmações fundamentalistas; o desvirtuar da pureza das religiões, manipulando-as para objectivos políticos ou económicos.
Mas nenhuma destas dificuldades pode impedir o diálogo, que terá por base o respeito e o conhecimento mútuos, na valorização de valores comuns. Ao nível da dimensão ética que tece o sentido do homem e da história, vai-se decantando uma espécie de “universal humano”, que sublinhará a relação entre religião, cultura e criação, frente ao qual cada religião é chamada a um aprofundamento que lhe alargue o horizonte e busque a radicalidade. A construção deste “universal humano” não se fará à custa de sincretismos descaracterizantes, mas sim do reconhecimento mútuo de valores fundamentais.
O processo da globalização é também um dinamismo de mutação cultural e o diálogo inter-religioso é um bom caminho para as religiões entrarem nesse processo de transformação das culturas.

Um outro elemento, interessante de analisar, no processo de globalização: a relação entre esta e a busca da universalidade. O sentido da universalidade está presente nas grandes religiões do mundo. Eu tenderia mesmo a considerá-lo constitutivo da autêntica religião. Quando uma fé religiosa se considera decisiva para o destino do homem, é natural que ela se considere decisiva para todos os homens. É, aliás, este dinamismo de universalidade, que fundamenta o sentido de missão e de anúncio da própria fé.
No judeo-cristianismo, tradição religiosa que conheço melhor, esta dimensão de universalidade é constitutiva da própria fé. Já no Génesis Deus celebra com Noé uma Aliança com toda a Humanidade e o arco-íris será o seu sinal (cf. Gen. 9,8-17). O Profeta Isaías proclamará a vocação de universalidade da fé de Israel: “Sucederá, nos dias que hão-de vir, que o monte do Templo do Senhor se há-de erguer no alto das montanhas e ficará acima das colinas. Ali acorrerão todas as nações, ali irão ter povos sem número” (Is. 2,2-3). E as últimas palavras de Jesus aos seus Apóstolos sublinham a universalidade da salvação que Ele realizou: “Ide e de todas as nações fazei discípulos” (Mt. 28,19).
Este sentido de universalidade religiosa pode ter grande importância no processo cultural da globalização, pois trata-se de um dinamismo de igualdade fundamental de todos os homens, porque toda a verdadeira mensagem religiosa é um anúncio de salvação e de fraternidade, na construção da harmonia, da justiça e da paz. Mas também este dinamismo de universalidade encontra dificuldades na fase actual da humanidade, quando as diversas mensagens de universalidade se chocam ou entram em concorrência. A harmonia deste dinamismo exige a afirmação e a prática da liberdade de religião. Quando uma religião é proibida, significa que uma outra é imposta, em nome de interesses vários: a unidade do Estado, uma visão unilateral de tradição cultural, a defesa da própria religião. A afirmação do princípio da liberdade religiosa não contradiz o direito de uma sociedade valorizar a harmonia, consolidada na tradição, entre uma determinada religião e a cultura de um povo. Mas concilia com esse direito o respeito pela liberdade das pessoas e afirma a sua dignidade fundamental. Seria importante que os responsáveis políticos pelas Nações, no diálogo global, hoje inevitável, relativizassem o princípio da “real politique”, e não se regessem apenas por interesses económicos, mas introduzissem como assunto das relações bilaterais e multilaterais a defesa destes princípios fundamentais de afirmação da dignidade humana.
Fonte : Conferência Internacional
“Globalização – Ciência, Cultura e Religiões”